Teorias da Administração

Teoria da Contingência no Centro de Saúde

1. Introdução
2. Principais aspectos históricos das teorias administrativas
3. Introdução à teoria da contingência
4. Aplicação da teoria da contingência ao Centro de Saúde
4.1 Ambiente tecnológico
4.2 Ambiente social e político
4.3 Ambiente legal, histórico e cultural
4.4 Ambiente económico e recursos
4.5 Outras variáveis ambientais:
4.5.1 Origem
4.5.2 Localização
4.5.3 Dimensões
4.5.4 Utentes
4.5.5 Fornecedores
4.5.6 Concorrentes
5. Conclusão
1.      Introdução
O pensamento organizacional e a teoria administrativa, no seu desenvolvimento, demonstraram que não existe uma teoria universal e válida para todas as situações, entretanto, a teoria da contingência seria de grande valor e eficácia para organizações de reduzidas dimensões em ambientes de grande mutabilidade.
De facto, as pequenas organizações não conseguem controlar as mudanças no ambiente, entretanto o estudo e identificação das variáveis ambientais com influência na organização, são de grande valor pois permitem readaptar a estrutura organizacional de modo a obter ganhos em eficácia.
A saúde em Portugal está a mudar. Os Centros de Saúde e a sua organização interna estão a ser influenciados por pressões de mudança de várias ordens. A inserção dos Centros de Saúde no Sistema Nacional de Saúde, deixa pequena margem de manobra, ainda que em ambiente de descentralização e autonomia progressiva; no entanto a visão contingêncial desta organização, permite identificar e até prever outras variáveis, que não somente políticas, de modo a readaptar a estrutura do centro no sentido de melhor servir os utentes. É esta visão que, após um resumo histórico das teorias administrativas, passo a sumariamente descrever.

2.      Principais aspectos históricos das teorias administrativas

As relações de convivência com o semelhante são aspectos fundamentais da natureza humana. È pois no contexto do homem como animal social que as organizações humanas se desenvolvem, isto é, desde os primórdios da humanidade. Por outro lado as teorias organizacionais só muito tarde, na história da humanidade, se desenvolveram. Na sequência da revolução industrial, da massificação do trabalho e do desenvolvimento científico, surge no princípio do século xx o movimento de racionalização do trabalho com dois grandes protagonistas: Taylor centrado na engenharia de produção, encarava o homem como uma extensão da máquina e procurava maximizar os resultados pelo estudo dos tempos e movimentos que constituíam a administração científica do trabalho; Fayol encarava a organização como um todo em que os princípios organizacionais permitiam melhorar as funções da organização.
Por volta de 1930 surge o movimento das relações humanas muito influenciado pelo sindicalismo e que considera os aspectos informais das relações entre as pessoas no grupo e a participação nas decisões sociais como forma de atingir melhores resultados.
Mais tarde, cerca de 1945, o movimento estruturalista reconhece que o homem organizacional participa de varias organizações na busca de realização pessoal e podem surgir conflitos entre os interesses do trabalhador e da organização.
Com o aparecimento dos novos meios de comunicação, cibernética e consolidação das novas ciências (ciências sociais), foi necessário desenvolver e conceptualizar uma teoria que se aplicasse a todos os sistemas. Foi assim que primeiro apareceu a Teoria Geral de Sistemas e mais tarde, cerca de 1955, foi adaptada às organizações com o movimento dos sistemas abertos.
 As grandes mudanças tecnológicas e do ambiente social, político etc. que se verificaram a partir da década de 70, fizeram repensar a organização como dependente das contingências envolventes e quais as variáveis do meio que mais influenciam a estrutura e funções organizacionais das empresas.
Actualmente tende-se a encarar todas as teorias precedentes, assim como as novas ideias que entretanto surgiram e reconhece-se que nenhuma teoria só por si é suficiente para explicar todas as organizações. 
3.      Introdução à teoria da contingência
Como se pode ver pelo ponto anterior, a evolução do pensamento administrativo deslocou-se de dentro para fora das organizações.
Primeiro foi abordado o interior com o pensamento centrado nas tarefas desempenhadas, depois nas relações humanas; o movimento estruturalista ao reconhecer que o homem participa de várias organizações, fazia já adivinhar a nova etapa do pensamento que, com a teoria dos sistemas abertos, claramente considera o meio externo como uma variável de influência organizacional. A teoria da contingência vem terminar esta tendência ao colocar toda a ênfase no meio envolvente. De facto, qualquer organização move-se num ambiente de incerteza e a sua estrutura e funcionamento depende da interface com esse ambiente. Para atingir a eficácia organizacional não existe nenhum modelo único e exclusivo pois as condições ambientais em transformação implicam uma readaptação da organização e das técnicas administrativas de modo a atingir mais eficazmente os objectivos da organização.
A abordagem contingêncial das organizações foi primeiro realizada para as empresas industriais tendo-se verificado que, contrariamente aos pressupostos da teoria clássica, não existe a melhor forma de a empresa se organizar mas esta responde a variáveis do ambiente, sendo este considerado como toda a envolvente externa a uma organização.
As variáveis tecnológicas, políticas, legais e económicas constituem condições que afectam todas as organizações a operar num determinado contexto; por outro lado variáveis como fornecedores, clientes e concorrentes são algumas condições do ambiente próximo de cada organização específica.
Seguidamente vou esboçar o modo de aplicação prática desta teoria a um Centro de Saúde.
4.      Aplicação da teoria da contingência ao Centro de Saúde
O Centro de Saúde constitui uma organização pública de prestação de serviços, que se move num contexto comunitário próximo do cidadão. A sua organização interna depende por um lado das grandes transformações que se têm verificado no sector da saúde em Portugal e afectam todos os centros de saúde em geral, por outro de condições locais específicas e bem identificadas como condicionantes da estrutura e função do Centro.
4.1 Ambiente tecnológico
A tecnologia é uma das condições que mais afecta a função e estrutura organizacional do Centro de Saúde. Apesar de nada exaustivo, situações como as que descrevo a seguir, alteraram significativamente a vida do Centro; de facto aspectos como a generalização do automóvel privado e o seu baixo preço vieram possibilitar um melhor acesso dos utentes ao centro ou dos médicos ao domicílio e também criar um novo posto de trabalho para o motorista. As máquinas de café com moeda, colocadas na sala de reuniões, permitiram aproximar as relações informais entre diferentes classes e hierarquias profissionais. Os kits rápidos para análises á urina ou glicémias capilares permitem uma intervenção clínica precoce com libertação de tempo para outras tarefas. A generalização de aparelhos de TAC (Tomografia Axial Computadorizada) tem conduzido os directores do Centro a aceitar todos os pedidos deste exame feitos pelo médico de família, de facto a norma de que os pedidos de TAC, têm de ser previamente assinados pelo director do centro tende assim a desaparecer. A informatização deste e de outros Centros e Serviços de Saúde assim como dos Hospitais, tem criado postos de trabalho para secretárias jovens de alto nível educacional e cultural que lançam os dados no computador e fazem a gestão do doente e do pessoal; também os médicos têm programas de software clínico que rentabiliza a gestão da consulta e permite investigação científica (que era rara nos Centros de Saúde) e um melhor tratamento dos dados clínicos.
4.2 Ambiente social e político
Considerando que o Centro de Saúde depende da administração pública do estado, o ambiente político conjuntamente com as variáveis tecnológicas constituem actualmente, as principais influências ambientais que em geral estruturam a mudança organizacional do Centro de Saúde. De facto, os sistemas locais de saúde e os chamados centros de saúde da terceira geração, constituem aspectos organizacionais com forte carga política e social a delimitar a abrangência formal do centro. Também os novos modelos e os modelos experimentais de organização da prestação de cuidados, com grupos de médicos e outro pessoal de saúde, implicam mudanças que o Centro deve integrar de modo a melhor reflectir a eficácia pretendida.
4.3 Ambiente legal, histórico e cultural
O Centro de Saúde move-se numa ordem jurídica interna em que a Constituição da Republica Portuguesa prevê a generalização da saúde a todos os portugueses, entretanto a Lei de Bases da Saúde e a instituição do Serviço Nacional de Saúde permitem a sua aplicação prática. Dentro desta ordem jurídica, é frequente a publicação de leis e decretos-lei avulsos com influência na gestão do Centro.
Historicamente os Centros de Saúde, assim designados, surgiram num clima cultural e social em que a saúde deveria ser geral e gratuita; entretanto sempre existiram serviços privados de saúde em Portugal. Nas últimas décadas, com a generalização da cultura de mercado, debate-se cada vez mais a privatização do Serviço Nacional de Saúde, neste ambiente, o Centro de Saúde deve readaptar e repensar a sua estrutura formal e informal de modo a fazer face a tais eventualidades. A prática da chamada “ medicina defensiva”, num ambiente de grandes restrições sociais para os médicos (e outros profissionais de saúde) tem, conjuntamente com outros factores, levado as organizações de saúde a assumir estruturas e hierarquias técnicas de caracter mais ou menos formal.
4.4 Ambiente económico e recursos
O Centro de Saúde é publico e vive essencialmente do orçamento de estado, no entanto a medicina privada é uma realidade e muitas pessoas com recursos económicos satisfatórios recorrem a medicina privada o que deixa tempo para que as pessoas que recorrem ao Centro sejam melhor atendidas.
4.5 Outras variáveis ambientais:
Aspectos sazonais como por exemplo o aumento da incidência de doenças sobretudo no inverno com as infecções respiratórias, mas também algumas gástroenterites no verão ou as alergias aos pólens em determinadas épocas do ano, constituem variáveis gerais a considerar no planeamento e gestão do pessoal, dos serviços de farmácia (onde estes existirem), e das camas nos Centros que têm serviço de internamento. Há entretanto variáveis mais especificas ou de aplicação a cada centro em concreto que passo a especificar.
4.5.1 Origem
A origem do Centro de Saúde influencia na medida em que por exemplo um centro cuja origem resultou da divisão de um centro prévio, que por motivos do crescimento do número de utentes a atender teve de ser repartido, vai herdar, por assim dizer as virtudes mas também as vicissitudes do centro que o originou.
4.5.2 Localização
Um Centro de Saúde que se localize numa zona periférica imediata da capital e num prédio construído para fins habitacionais com três ou mais andares e sem elevador, fica condicionado sobretudo para o tipo de utentes que o podem frequentar já que por um lado moram nas redondezas e por outro alguns doentes com deformações graves não podem subir aos andares onde são consultados.
4.5.3 Dimensões
Variáveis como as dimensões do Centro afectam a estrutura organizacional na medida em que por exemplo um centro de grandes dimensões é capaz de dar resposta completa e pronta a sua população de utentes, pode também mais facilmente permitir-se a uma estrutura descentralizada e de atendimento personalizado; entretanto de um modo geral as organizações quando crescem e ganham dimensão e se ainda assim têm objectivos sociais, frequentemente adoptam uma estrutura organizacional de tipo hierárquico e unidade de comando, por esta estrutura se adequar a um melhor controle do ambiente externo sem grandes mudanças para a organização.
4.5.4 Utentes
As populações de utentes constituem variáveis do ambiente que influenciam o Centro de Saúde com várias pressões; por exemplo, nos serviços públicos os utentes podem-se organizar na comunidade e constituir grupos de pressão que reivindiquem tipos de decisões estratégicas ou formas de prestar cuidados muito específicas, se o centro é privado e a medicina é privatizada, os utentes num ambiente de concorrência podem sempre escolher aquele centro que preste melhores serviços na satisfação das necessidades percepcionadas.
As considerações sobre a influência dos utentes na organização dos Centros de Saúde não dizem apenas respeito a situações em que estes são muito activos e reivindicativos, mas por exemplo um Centro de Saúde que abrange uma população predominantemente de idosos, terá certamente que contratar mais médicos e outros profissionais, pois os idosos frequentam mais as consultas; se os utentes são pobres e vivem em condições de baixa higiene sanitária, é natural que aumentem as infecções e parasitoses e o Centro na sua adaptação tenha de incluir testes específicos de diagnóstico e até medidas terapêuticas desta situação.
4.5.5 Fornecedores
Num Centro de Saúde dedicado a prestação de serviços de saúde, entre outras variáveis de influência, o fornecimento de informação é fundamental e assim temos por exemplo os delegados de informação médica que todos os dias visitam o Centro; alguns problemas relacionados com esta situação podem ser relacionados com a zona e a hora a que os delegados podem ser atendidos e se esse atendimento se pode fazer no intervalo das consultas médicas; pode assim ser necessário regulamentar essas situações de modo a que o Centro ganhe informação sobre novos produtos ou serviços clínicos mas sem afectar o atendimento clinico aos utentes; outra situação relaciona-se com os laboratórios e outros meios complementares de diagnóstico que fornecem retroinformação ao médico assistente, se estes laboratórios não são credíveis ou se localizam longe da periferia do Centro, obrigam a repensar por exemplo no sentido de dotar este desses serviços que mais falta se fazem sentir, ou de estabelecer convenções com alguns privados de maior credibilidade
4.5.6 Concorrentes
Os serviços privados de saúde ao nível dos cuidados primários constituem um meio de concorrência salutar mas que obriga o Centro a repensar e planear a sua gestão de modo a fornecer serviços de qualidade. Por exemplo um Centro localizado num ambiente em que há muitos concorrentes privados, e os utentes tem poder de compra de serviços, no sector privado, pode ver a sua produção afectada por perca de utentes para o sector privado, tal Centro ao fim de algum tempo irá ver o seu orçamento diminuído.
5.      Conclusão
Apesar das fortes pressões externas e das grandes mudanças a que se tem assistido no domínio da saúde, o modelo contigencial, só por si não é suficiente para explicar, nem para prever e agir face à variabilidade externa; no entanto a identificação das variáveis chave, como políticas, tecnológicas e de mercado, típica deste modelo, quando associadas aos outros conhecimentos relacionados com o Centro de Saúde, permite mais facilmente reestruturar e reorganizar o Centro para fazer face ás mudanças necessárias que se vislumbram no sector da saúde e particularmente nos cuidados de saúde primários.
Com este trabalho não se pretendeu uma análise exaustiva mas tão-somente uma aplicação resumida do modelo contigencial à estrutura organizacional e de gestão do Centro de Saúde de modo a que a sua compreensão e uso permita facilmente identificar outras variáveis de mudança aqui não referidas, mas com implicações na sua reestruturação interna.