Saúde da Mulher

Crítica de um artigo científico sobre Papanicolau
 
OBJECTIVOS
O cancro do colo do útero é uma neoplasia maligna que pelas suas características de evolução e prognóstico, justifica métodos de rastreio. O esfregaço de Papanicolaou é o método mais importante que fornece informação sobre o risco desta neoplasia.
Após a aceitação e generalização do Sistema Bethesda, proposto por um grupo de trabalho do National Cancer Institute em 1998 e que preconiza os processos laboratoriais e interpretação dos relatórios citologicos; poucos estudos foram efectuados e há poucos dados disponíveis sobre os factores associados com a qualidade do Papanicolaou realizado por diferentes profissionais de saúde ao nível dos cuidados primários de saúde.
Também ao nível dos cuidados primários há esquemas bem definidos que preconizam este rastreio a intervalos regulares.
Torna-se pois necessário a realização de estudos que procurem identificar padrões de qualidade entre diferentes profissionais envolvidos neste rastreio.
Em Portugal, na generalidade dos centros de saúde, este rastreio e realizado apenas pelo Médico de Família entretanto em alguns centros onde há especialistas em Ginecologia e Obstetrícia, também estes o podem fazer; normalmente não há outros grupos de profissionais envolvidos pelo que um estudo destes não teria tanta relevância, entretanto na Carolina do Norte onde o estudo foi realizado, penso que a sua pertinência o justifica.
 
MATERIAL E MÉTODOS
De um modo geral, os autores procuraram relações estatisticamente significativas entre os dados de esfregaços de Papanicolaou observados por um laboratório e diferentes grupos de profissionais a trabalhar nos cuidados de saúde primários de uma região e que realizaram esses esfregaços durante um período de tempo.
Os autores determinaram a dimensão das amostras assim como os critérios de inclusão e exclusão de modo correcto. Entretanto informaram os profissionais envolvidos e procuraram o seu consentimento; também se muniram das habituais aprovações de comissões de ética ou direitos humanos o que revelou prudência e boa prática.
Ao nível do laboratório treinaram o técnico para que a interpretação do esfregaço de Papanicolaou fosse uniforme. Também os métodos de registo de dados foram uniformizados, finalmente procederam ao tratamento estatístico com os testes adequados.
Os autores fazem a presunção básica de que a percentagem de anormalidades descoberta pelo esfregaço de Papanicolaou é um bom critério de qualidade para esses esfregaços e por outro lado esquecem variáveis como o estatuto socioeconómico, se a utente foi ou não referenciada ao ginecologista, e outros factores de risco individuais que podem funcionar como variáveis confundentes a inquinar o estudo.
 
RESULTADOS
Os especialistas de Ginecologia/Obstetrícia foram aqueles que realizaram uma média mais elevada de esfregaços de Papanicolaou e juntamente com os Médicos Assistentes realizaram os rastreios numa população de mulheres mais jovens. A idade avançada da doente e o uso do escovilhão estavam associados positivamente com uma maior probabilidade de o esfregaço ser satisfatório.
Os esfregaços satisfatórios não estavam associados com um aumento de anormalidades citológicas; por outro lado os esfregaços com células endocervicais mostraram uma proporção mais elevada de anormalidades.
Como um esfregaço pode ser considerado satisfatório e ainda assim não ter anormalidades citológicas, por outro lado os esfregaços com células endocervicais mostram maior número de anormalidades citológicas, então o facto de um esfregaço ser satisfatório não constitui só por si, um bom indicador de qualidade.
 
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Os pesquisadores concluíram que o uso do escovilhão pelo clinico foi associado com elevada probabilidade aos esfregaços satisfatórios e a presença de células endocervicais foi positivamente associada com detecção de células anormais na mulher com o colo uterino intacto. Assim entre outro pode-se pensar no uso que os fornecedores de material médico podem fazer na tentativa de vender os seus produtos como o escovilhão, espátula etc. Também os gestores de serviços de saúde podem usar estes conhecimentos na gestão dos seus recursos humanos para a realização deste rastreio. Entretanto os investigadores são cautelosos uma vez que o estudo foi limitado a uma só região, podem haver potenciais vieses ou confundimentos na representatividade do estudo e não há muitos estudos sobre este assunto para se compararem os resultados.
Um estudo como este permite, de facto, despertar a curiosidade sobre este tema e até dirigir o pensamento numa certa direcção, no entanto só por si não é conclusivo, em meu entender, no sentido de mudar uma prática clínica estabelecida.